Introdução a regatas à vela
Fernando Dantas Campello
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Como funciona um veleiro? - princípios básicos |
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A vela é um esporte bastante peculiar, que envolve muita técnica, tática, concentração, percepção e interação com os ambientes aéreo e aquático. Peculiar também é a nomenclatura utilizada, tanto nas partes que compõem os veleiros, quanto nas manobras de navegação. Esta seção tem por objetivo apresentar o veleiro e suas partes aos iniciantes no esporte, explicando seu funcionamento e as manobras que podem ser executadas. Por fim, será explicado como é o andamento de uma regata, desde os percursos utilizados, passando pelos procedimentos de largada e finalizando com o cruzamento da linha de chegada. Iniciando com a nomenclatura das partes de um veleiro, temos basicamente um casco, uma quilha com um bulbo de chumbo (que dá equilíbrio ao barco), um leme (que dá a direção), um mastro e as velas. A parte da frente do casco é chamada de proa e a de trás de popa. As laterais tem nomes um pouco mais complicados: o lado esquerdo é chamado de bombordo (para não esquecer, o lado bom, o lado do coração...) e o lado direito de boreste (ou, embora bem menos usado, estibordo). A grande maioria dos veleiros de rádio-controle possuem duas velas. A vela de trás é a vela principal, chamada de vela grande ou vela mestra. A da frente é denominada buja ou genoa. Os tubos horizontais que sustentam a base das velas são as retrancas. Veleiros em tamanho real costumam ter apenas uma retranca na vela mestra, porém os veleiros rádio-controlados possuem também retranca na buja. Para evitar que a retranca da vela mestra suba durante a velejada (ela tem a tendência de subir quando o vento vem de popa), existe uma ferragem denominada "burro", que puxa a retranca para baixo. Os cabos (sim, cabos, porque em navegação não se usa o nome "corda") utilizados para regular as velas são chamados de escotas (escota da grande e escota da buja). A ação de puxar as velas é denominada de "caçar as velas" . E o ato de folgar? Aí não tem nome especial, é folgar mesmo! O princípio de funcionamento de uma vela é o mesmo de uma asa de avião, ou seja, física pura. O vento, ao passar por ambos os lados da vela, percorre caminhos diferentes e possui velocidades diferentes. O fluxo de ar que percorre o lado convexo faz um percurso maior e tem sua velocidade aumentada, se comparado ao fluxo que passa pelo lado côncavo. Essa diferença entre as velocidades do ar nos dois lados da vela provoca um gradiente de pressão e uma força de empuxo, que no caso do avião, leva ele para cima, e no caso do veleiro, puxa ele para o lado. Porém, como o veleiro tem uma quilha embaixo d'água, que é uma lâmina que exerce resistência lateral e impede ele de sair navegando de lado, a saída é andar para a frente, e é exatamente isso que ele faz. É claro que se considerarmos todos os processos físicos envolvidos a coisa é muito mais complexa, mas essa explicação simplificada é mais do que suficiente para compreender os passos que serão expostos adiante e para a explicar como um veleiro consegue andar contra o vento. Antes de entrar nas manobras, um pouco mais de nomenclatura, agora considerando a posição do veleiro em relação ao vento. O lado do barco que recebe o vento é chamado de barlavento. O lado por onde o vento sai é chamado de sotavento (lado que "solta o vento", para facilitar a memorização. Com o tempo esses nomes vão passando a fazer parte do vocabulário e a coisa fica automática). Esses nomes são utilizados como referências de posição ("... a bóia está a barlavento do veleiro..."; "... o veleiro X está a sotavento do veleiro Y..."; "... o obstáculo que está à proa será deixado por barlavento...", etc...). As direções que um veleiro pode navegar em relação ao vento e as posições de ajuste das velas para cada uma dessas direções são mostradas na figura abaixo. Quando um veleiro está com a proa apontada diretamente para a direção de onde vem o vento, este não consegue encher as velas, que ficam panejando (batendo) como uma bandeira. Não há como navegar diretamente nesta direção. O ângulo mínimo que um veleiro consegue manter entre sua proa e o vento para que as velas fiquem cheias é de aproximadamente 45°. Assim, existe um ângulo de 90° (45° para um lado e 45° para o outro), representado na figura pela área vermelha, em que é impossível navegar à vela. A posição de navegada a 45° do vento é chamada de orça cerrada (ou bolina cochada). Nesta posição as velas precisam estar caçadas ao máximo, caso contrário ficarão batendo. Se observarmos a posição das velas na figura e lembrarmos da explicação sobre a força de empuxo citada anteriormente, perceberemos que nesta posição de orça cerrada o empuxo é basicamente lateral. Entretanto, a resistência provocada pela quilha impede que o veleiro derive lateralmente (navegue de lado), fazendo com ele ande para a frente. As forças de pressão do vento sobre as velas e de resistência ao avanço lateral provocada pela quilha são contrárias e fazem com que o veleiro aderne (incline) até atingir um ponto de equilíbrio. A orça cerrada é a posição onde a quilha tem suas funções utilizadas ao máximo, que são impedir a deriva lateral e agir como contrapeso (devido peso do bulbo de chumbo), impedindo que o barco vire. Quando o veleiro navega em uma posição entre 45° e 90° em relação à direção do vento, se diz que ele está em orça folgada. Nessa situação as velas devem ficar um pouco mais folgadas. Quando o barco está a 90° em relação ao vento, recebendo este pela lateral, ele navega na posição de través. Normalmente esta é a posição onde são atingidas as maiores velocidades. No través as velas devem ser folgadas ainda mais. Na verdade, um observador cuidadoso perceberá, na figura abaixo, que a posição das velas em relação ao vento praticamente não muda (com exceção da posição empopado), o que muda é a direção do barco. Uma vez que para haver a força de empuxo (que é o motor do veleiro) é necessário que o vento passe por ambos os lados das velas, o ângulo de ataque das velas em relação ao vento deve ser sempre mais ou menos igual, permitindo esse fluxo por ambos os lados. Assim, se o rumo do barco é alterado, precisaremos regular as velas para que elas mantenham o mesmo ângulo em relação ao vento. Se estamos em uma orça, por exemplo, com as velas bem caçadas (como deve ser), e levamos o barco para um través sem folgar as velas, o que ocorrerá é que o vento baterá no lado de barlavento das velas, mas o fluxo de ar a sotavento será prejudicado porque as velas estão muito fechadas. Assim, a força de empuxo será fraca ou inexistente, o barco adernará (devido à pressão do vento no lado de barlavento das velas), mas não andará para a frente. Como regra geral, sempre que o rumo do barco for alterado para uma posição mais a favor do vento, as velas devem ser folgadas, e quando ele for alterado para uma posição mais contra o vento, elas devem ser caçadas para que não comecem a panejar (bater). A posição entre o través e o vento em popa é chamada de alheta ou 3/4 de popa. Por fim, quando o veleiro está na posição de empopado (com vento vindo pela popa), a situação é um pouco diferente. Neste caso não há um fluxo de ar bem definido pelos dois lados da vela. O barco navega apenas empurrado pelo vento, como ocorre com um pedaço de isopor jogado à água. Assim, as velas devem estar folgadas ao máximo para que fiquem bem abertas e com a maior área possível exposta ao vento. Nesta situação é possível posicionar cada vela para um lado (manobra chamada de asa de pombo), de forma que a buja não fique escondida atrás da vela mestra, aumentando assim a área de contato do vento com as velas.
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O barco aderna devido às forças contrárias provocadas pelo vento sobre as velas e pela quilha sobre a água. O bulbo de chumbo na ponta da quilha age como contrapeso, dando equilíbrio e evitando que o veleiro vire. |
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Segue uma breve explicação das manobras básica que são executadas por um veleiro durante a velejada: A ação de levar o barco para uma posição mais contra o vento é chamada de orçar (colocar o barco em orça). A ação de alterar o rumo do barco para uma posição mais a favor do vento é chamada de arribar. No caso da figura abaixo, o veleiro vem navegando em orça (contra o vento) e vai arribando (e folgando as velas) até chegar no empopado. A manobra em curva na qual o veleiro executa a ação de orçar até ficar completamente contra o vento (neste ponto as velas panejam) e depois sai navegando com as velas cheias no outro lado (outro bordo) é chamada de cambada. Uma vez que é impossível velejar em um ângulo menor que 45° em relação à direção do vento, um veleiro só consegue chegar em um ponto situado exatamente contra o vento através de sucessivas cambadas, velejando em zigue-zague, 45° para um lado, 45° para o outro. A manobra em curva na qual o veleiro executa a ação de arribar até que as velas mudem de bordo é chamada de jaibe.
Dadas as explicações básicas, vamos à regata!!! Existem vários tipos de percursos em competições à vela e só mostrarei aqui os dois mais comuns. O primeiro se chama barla-sota e consiste de duas bóias alinhadas na direção do vento, além de uma bóia de largada, que pode ser posicionada entre as outras duas, como mostrado (em laranja) na figura abaixo ou então abaixo das demais bóias. A largada ocorre em uma linha imaginária situada entre a bóia de largada e o barco da comissão de regatas (na vela rc substituído por outra bóia), representado pelo pentágono preto nas figuras abaixo. Cada trecho a ser percorrido entre duas bóias é chamado de perna. O barla-sota possui apenas pernas de contra-vento e de empopado. O segundo percurso é chamado de triângulo e a diferença para o anterior está na inclusão de mais uma bóia, resultando em duas pernas de través. Na nossa regata de demonstração o percurso escolhido será o barla-sota, como pode ser visto abaixo. A seta verde indica a direção do vento. A bóia vermelha e branca próxima à seta verde é a bóia de barlavento. A bóia mais distante dessa seta é a bóia de sotavento. A linha de largada (em vermelho) está situada entre as duas bóias com pinos no meio da raia. Os veleiros devem largar contra o vento, percorrer uma perna de contra-vento, contornar a bóia de barlavento, deixando-a por bombordo (lado esquerdo do veleiro), percorrer a perna de vento em popa, contornar a bóia de sotavento (também deixando-a por bombordo) e percorrer mais uma perna de contra-vento até cruzar a linha de chegada (mesma da largada). Inicia a contagem regressiva de tempo para a largada (dois minutos, conforme definido nas regras de regata). A linha de largada é uma linha imaginária (aqui marcada de vermelho) entre as duas bóias laranjas. A seta verde mostra de onde vem o vento. Observa-se também a bóia de sotavento. A bóia de barlavento não aparece na foto, porém está situada no prolongamento do canto inferior esquerdo da imagem. Os veleiros devem ficar navegando a sotavento da linha de largada, cruzando a linha apenas ao final da contagem regressiva. Os veleiros começam a tomar posição para tentar cruzar a linha no exato momento em que esgotar a contagem regressiva, momento em que será dado o sinal de largada. A aproximação continua... Cada um buscando o melhor lugar na linha. As regras definem que se um barco estiver a barlavento da linha no momento do sinal de largada, ele terá largado escapado (queimado a largada) e terá que retornar e cruzar a linha de largada novamente, enquanto os demais seguem ganhando terreno. Esgota o tempo regressivo e o sinal de largada é dado. O quarto barco de baixo para cima e um dos barcos próximo à bóia de cima cruzam a linha no tempo certo e já começam com vantagem em relação aos demais. Todos tem as velas bem caçadas, pois é uma perna de contra-vento. Em outro exemplo, o veleiro rosa faz uma largada perfeita, enquanto que o barco indicado pela seta azul está indo na direção contrária dos demais (percebe-se que as velas estão folgadas e ele não está adernado). Ele está retornando porque acabou cruzando a linha antes do sinal de largada (antes de esgotar a contagem regressiva). Como penalização, ele precisa voltar e cruzar a linha de largada novamente. O barco amarelo largou muito mal pois estava muito longe da linha no momento do sinal de largada, iniciando em grande desvantagem. Dada a largada, os veleiros seguem o percurso em contra-vento, rumo à primeira bóia. Como não é possível velejar em rumo direto contra o vento, os veleiros precisam fazer um zig-zag, velejando 45° para um lado (bordo), virando de bordo (mudando a vela de lado) e velejando 45° no outro bordo. Essa manobra de virar de bordo, como já vimos, é chamada de cambada. Na figura abaixo, vemos dois veleiros em bordos opostos, em rumo de colisão. Quando eles se cruzarem, quem estiver com a vela do lado esquerdo (no caso o barco azul) terá o direito de passagem e o outro deve desviar (assim define a regra). A seta verde indica a direção do vento, as linhas azul e vermelha os rumos dos barcos.
Mais dois barcos no contra-vento, em bordos opostos. Velas bem caçadas e veleiros adernados devido à força do vento sobre as velas e à resistência lateral provocada pela quilha (que, por sinal, está bem visível no barco amarelo). Ainda no contra-vento, só que agora ambos no mesmo bordo. O veleiro amarelo encontra-se em desvantagem, pois está no "vento sujo" do veleiro branco. Chama-se vento sujo quando um barco posiciona-se de maneira a roubar o vento do adversário. Percebe-se pela direção da seta verde (direção do vento) que o barco branco está desventando o amarelo. A primeira bóia (bóia de barlavento) já está à vista e deve ser contornada deixando-a pelo lado de bombordo, como indicado pela seta laranja. Os veleiros continuam no zig-zag do contravento, 45° para um lado, 45° para o outro. Percebe-se uma mancha escura na água logo abaixo da bóia. Essa mancha é formada pelas marolinhas causadas por uma rajada mais forte de vento situada naquele local. Os bons velejadores ficam sempre de olho nas rajadas mais fortes, tentando tirar proveito delas para acelerar o barco. O 112 já está contornando a primeira bóia (bóia de barlavento) e se prepara para entrar na perna a favor do vento. O veleiro preto ainda segue em contravento, em direção à bóia, com as velas bem caçadas. Mais dois veleiros contornam a primeira bóia e entram na perna de vento em popa. Agora as velas devem ser soltas ao máximo para que o vento empurre o barco. Os dois veleiros na perna de vento em popa, com as velas bem abertas, após a montagem da bóia de barlavento. O veleiro no alto da figura está mais atrasado e ainda segue na perna de contra-vento, em direção à primeira bóia, com as velas caçadas. A seta e a linha verdes indicam a direção do vento. A linha azul o rumo do barco. Vários veleiros já empopados, tendo deixado a bóia de barlavento para trás. Um veleiro ainda vai contornar a bóia. Percebe-se as velas abertas uma para cada lado, na formação de asa de pombo, aproveitando ao máximo o vento que vem de trás (indicado pela seta verde). A perna de popa é feita em linha reta, pois os veleiros conseguem ir no rumo direto da bóia de sotavento, não necessitando fazer zig-zag. No canto direito da foto nota-se a bóia de barlavento, agora já contornada por todos. No popa os veleiros não adernam, pois já que o vento vem de trás e apenas empurra o barco, a quilha deixa de cumprir sua função de exercer resistência lateral. Agora os barcos começam a se aproximar da bóia de sotavento, que deve ser contornada deixando-a por bombordo. O veleiro vermelho já começa a mudar de rumo para contorna-la. Os demais ainda continuam empopados. A seta verde indica a direção do vento. Três veleiros já contornaram a bóia, entrando na última perna da regata (contra-vento até a linha de chegada). Mais dois veleiros contornando a bóia de sotavento e caçando suas velas ao máximo para percorrer o contra-vento final. Um veleiro ainda segue em popa, em direção à bóia. Ao final da perna de contravento está a linha de chegada, localizada entre as duas bóias (que são as mesmas da largada). O veleiro amarelo (311) está cruzando a linha e finalizando a regata. Os veleiros 70 e 71 se dirigem para a linha em bordos contrários e em rumo de colisão. O 70 tem direito de passagem pois está com a vela do lado esquerdo do barco. Quem chegará primeiro? O 70 acaba cruzando a linha na frente. O 71 perde, inclusive, para o barco amarelo que vinha mais atrás. A regata está finalizada. Agora é aguardar o início da contagem regressiva para a largada da seguinte. São realizadas várias regatas em um dia de competições.
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